segunda-feira, 28 de setembro de 2009

África Austral: Aqüíferos subutilizados

Por Miriam Mannak, da IPS




Johannesburgo, 16/06/2009 – Apesar do importante papel que pode desempenhar a água subterrânea para aliviar a pobreza, melhorar a segurança alimentar e contribuir com o desenvolvimento geral da África austral, a falta de habilidades, fundos e consciência sobre o recurso faz com que se aproveite uma porcentagem ínfima. “Embora a África austral se orgulhe de seus fornecimentos de água subterrânea, e apesar da elevada demanda, apenas se extrai uma pequena quantidade”, disse Karen Villholth, especialista do Departamento de Hidrologia da Dinamarca. Não há certeza sobre o tamanho das reservas de água subterrânea da região, entretanto, segundo Villholth, esses aqüíferos são suficientemente grandes para o uso domestico, beber e a agricultura em pequena escala.
Os aqüíferos da África austral não são capazes de sustentar enormes projetos de irrigação como os que se encontram, por exemplo, na Ásia austral, onde 60% da terra agrícola são irrigados com água subterrânea”, explicou Villholth. Os números do Programa de Água Subterrânea da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) mostram que, para cerca de um terço dos habitantes dessa região, os aqüíferos constituem a fonte de fornecimento hídrico formal ou melhorado. Mas os restantes 40% dependem de fornecimentos hídricos pouco confiáveis, sejam subterrâneos ou superficiais, que são vulneráveis às enfermidades e à seca.
Um fornecimento inadequado de água afeta profundamente a vida das pessoas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a carga global de doenças poderia baixar em 10% apenas melhorando o acesso da população à água potável. A cada ano a diarréia mata 1,4 milhão de crianças no mundo. No informe de 2008 da OMS intitulado “Água mais segura, melhor saúde: custos, benefícios e sustentabilidade das intervenções para proteger e promover a saúde”, essa agência diz que quase metade de todas as mortes ligadas à água, ao saneamento e à higiene na República Democrática do Congo era causada por doenças diarréicas.
As camadas freáticas poderiam abastecer muitos dos cem milhões de pessoas que carecem de água na África austral, se não fossem vários obstáculos, disse Villholth. “Primeiro de tudo, a água subterrânea é invisível, e, portanto, muitas pessoas não estão conscientes de sua existência. Tendem a olhar para o que está na superfície”, acrescentou. Um dos culpados é a escassez de dados hidrológicos da África austral. “A região da SADC tem 20 aqüíferos transfronteiriços. Pode haver mais fontes, mas nesta fase é tudo o que sabemos”, disse Philip Beetlestone, gerente do Projeto de Manejo de Água Subterrânea e Seca do bloco, no Diálogo da Água, realizado no final de maio em Johannesburgo.
No documento “Desafios para o manejo de aqüíferos transfronteiriços na região da SADEC”, Beetlestone diz que se prefere a água superficial à subterrânea porque a segunda não se vê e é “difícil de quantificar”. Tanto as comunidades quanto as estruturas políticas e os meios se centram na água superficial, acrescentou. Por sua vez, Imasiku Nyambe, coordenador do Centro de Manejo Integrado de Recursos Hídricos na Universidade de Zâmbia, disse que as comunidades e os políticos passam por lato quanto ao valor dos fornecimentos de água subterrânea. “Muitas partes da SADC carecem de uma liderança regional e local em relação a investir em infra-estrutura para a água subterrânea. No ano passado, o governo de Zâmbia gastou 3% de seu orçamento” nesse item, destacou. “Neste ritmo, Zâmbia se manterá subdesenvolvida para sempre. O desenvolvimento e o acesso à água seguem de mãos dadas”, assegurou.
O diretor de Infra-estrutura e Serviços da SADC, Remigius Makumbe, disse que foram dados passos para conscientizar os governos de que é necessário explorar as opções que a água subterrânea proporciona. “Estamos organizando fóruns parlamentares onde reunimos legisladores e apresentamos temas como a água subterrânea. Durante esses painéis damos informações, que eles compartilharão com seus colegas ao regressarem”, explicou.
Segundo Ole Houmǿller, conselheiro regional da Agência Dinamarquesa para o Desenvolvimento Internacional junto à SADC, há vários motivos pelos quais se deveria considerar a água subterrânea como fonte principal desse líquido. “Primeiro de tudo, está ali, bem abaixo dos nossos pés, e tem algumas qualidades boas: é segura e já está em uma reserva, assim não é preciso construir represa. E, comparada com a água de superfície, a subterrânea não é muito propensa à contaminação. Isto a torna mais barata, já que requer menos tratamento e purificação”, afirmou.
Além de uma inadequada coleta e disponibilidade de dados, e do fato de a água subterrânea não ser apreciada como deveria, Phera Ramoeli, diretor da divisão hídrica da SADC, disse que o desenvolvimento de infra-estrutura para seu aproveitamento encontra obstáculos em impedimentos econômicos. “Para ter acesso à água subterrânea é preciso fazer um poço, e para retirar a água até a superfície, se necessita de uma bomba. Na África, muitas pessoas não podem se dar esse luxo”, disse Ramoeli à IPS. Segundo Ebenhard Braune, presidente de geohidrologia da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), na Universidade do Cabo Ocidental, na Ásia austral “as nações se beneficiam tremendamente da disponibilidade de bombas e equipamentos de perfuração chineses, que são baratos. Mas, este não é o caso da África”, acrescentou.
Isto pode ser conseqüência do fato de a Ásia austral ser mais lucrativa para os produtores de bombas para extração de água. “Na África, 5% da terra são irrigados com água subterrânea, enquanto em países como a Índia isto representa 70%. E esta porcentagem está aumentando”, disse Villholth. Além disso, o desenvolvimento e a exploração do fornecimento de água subterrânea na África austral encontra obstáculo na falta de capacitação. “Fazer um poço exige habilidades especializadas. É preciso sber onde perfurar e até que profundidade é preciso ir para encontra água. Também se deve ter conhecimento sobre camadas subterrâneas e exige pessoas que mantenham e reparem a infra-estrutura”, acrescentou.
Estas habilidades são difíceis de encontrar na África, disse Kevin Pietersen, especialista da Comissão Sul-africana de Pesquisadores Hídricas. Em seu próprio país, “metade dos postos disponíveis para geohidrologistas e geotecnólogos no setor da água publica estão vagos”, afirmou. “Uma das razões é que muitos formados entram para as empresas privadas, onde os salários são mais altos. Além disso, pelo mesmo motivo, entre 20% e 30% abandonam o país”, acrescentou. IPS/Envolverde.

(Envolverde/IPS)
Em: 16/06/2009 - 10h06

http://www.envolverde.com.br/?materia=59691&edt=1


© Copyright Envolverde - É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita Envolverde.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A ÁGUA NO LIMITE


Revista Envolverde em 19/01/2009 - 11h01
Por Daniela Estrada (correspondente da IPS)
http://www.envolverde.com.br/?materia=55502




Santiago, 19 de janeiro (Terramérica) - Em matéria hídrica, "a humanidade não tem consciência do perigo a que está submetida e vai agir somente em situações-limite. A má notícia é que esses limites se aproximam", disse ao Terramérica Manuel Baquedano, presidente do não-governamental Instituto de Ecologia Política. Baquedano estará a cargo de um dos painéis da conferência "Fazer a paz com a água", que acontecerá dias 12 e 13 de fevereiro na sede do Parlamento Europeu, em Bruxelas, organizada pelo Fórum Político Mundial, presidido pelo ex-líder soviético Mikhail Gorbachov (1985-1991). Na conferência será discutido o rascunho do Protocolo Mundial da Água, que se pretende incluir nas negociações internacionais sobre o tratado que substituirá, em 2013, o Protocolo de Kyoto (1997).


O Terramérica conversou com o ambientalista chileno de 59 anos, um sociólogo formado pela Universidade Católica de Lovaina e autor do livro "Sua pegada ecológica" (2008).


TERRAMÉRICA: Com surgiu a proposta do Protocolo Mundial da Água?
MANUEL BAQUEDANO: Tem um longo período de maturação, já que recolheu todas as demandas em relação à água emanadas dos fóruns mundiais e da Assembléia Mundial da Água (para Representantes Eleitos e Cidadãos, do Parlamento Europeu). Isso se traduziu em um diagnóstico sobre a situação mundial da água e da necessidade de regular um bem escasso, que deveria ser patrimônio comum da humanidade, mas que em alguns países, como o Chile, é privatizado. A humanidade pode viver sem petróleo, mas não sem água. Todo o mundo fala da crise climática e dos problemas de energia. O segundo componente vital desta trilogia será a água.
TERRAMÉRICA: Pode adiantar algo sobre o rascunho do Protocolo que será debatido em Bruxelas?
MB: O objetivo de redigir este Protocolo é criar uma pré-negociação entre Estados. É um processo longo. Pessoalmente, não em nome da organização, calculo que vai demorar de 12 a 15 anos para que os Estados o aceitem. Portanto, o objetivo é que seja inscrito na agenda a ser negociada no período 2010-2012, com vistas a um acordo pós-Kyoto, em 2013. Estamos buscando um pacto público intergovernamental sobre a água.
TERRAMÉRICA: A seu ver, quais serão os temas mais críticos do Protocolo?
MB: Primeiro, declarar a água como bem público universal. Segundo, criar uma autoridade mundial que a regule e que os Estados assumam o controle da água.
TERRAMÉRICA: Como serão restringidos os interesses empresariais?
MB: Propomos uma autoridade mundial da água, que estaria coordenada com a Organização das Nações Unidas e que velaria pela parte normativa e judicial, em termos de resolução de conflitos e sanções. Buscamos coordenar os interesses privados e os públicos relativos ao uso da água. Nesse contexto, não temos problemas quanto a entregar concessões (a particulares) para seu uso e tratamento, mas não aprovamos a entrega de soberania e de propriedade da água, porque esta deve ser um bem público a serviço da humanidade. Buscamos colocar limites ao uso da água como mercadoria.
TERRAMÉRICA: Que recepção espera ter na conferência de dezembro em Copenhague, onde continuarão as negociações para o tratado pós-Kyoto?
MB: Já tive uma reunião com Ricardo Lagos (presidente do Chile entre 2000 e 2006 e um dos três enviados especiais para mudanças climáticas nomeados pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon). Apresentei esta iniciativa e ele se mostrou disposto a receber as conclusões e acertar uma entrevista com Gorbachov para ver como se pode incluir a questão da água no acordo pós-Kyoto. Já foram estabelecidas as perspectivas de ligação.
TERRAMÉRICA: Quais diferenças existem entre este projeto de Protocolo da Água e iniciativas anteriores?
MB: Uma das coisas mais importantes é que o documento facilitará uma pré-negociação entre países. Na primeira conferência, em Bruxelas. estará reunida uma grande quantidade de pessoas, muito legitimadas em todos os campos: político, cientifico e social. Este documento, com esta legitimação, servirá de base para uma segunda rodada de negociações entre Estados. E, quanto tivermos uma massa crítica, levaremos as negociações à ONU. Agora, por que um status particular para a água? Porque é um elemento vital e, se seu uso não for regulamentado, será fonte de conflitos maiores. Se hoje as guerras são pelo petróleo, no futuro serão pela água. Se temos uma cultura de paz e queremos nos adiantar aos grandes conflitos que a humanidade vai enfrentar, temos que deixar avançar o processo de regulamentação do uso da água.
TERRAMÉRICA: A América Latina é uma região estratégica em matéria de reservas de água doce. Com avalia sua proteção?
MB: É uma região estratégica porque tem aqüíferos (águas subterrâneas), rios muito grandes, como o Paraná e o Amazonas, e geleiras. É abundante em água, que está ameaçada. Vejo os governos preocupados em dar à população acesso à água. O que não vejo muito é uma distribuição mais eqüitativa de seu uso e uma proteção, direta ou indireta. Por exemplo, o derretimento de geleiras é um fenômeno mundial, mas no Chile e países andinos ainda não se assume a gravidade da situação. Não vejo políticas de conservação, prevenção, coleta de água no sentido de criar novas infra-estruturas que permitam utilizá-la melhor. Se isso continuar, milhões de seres humanos ficarão sem sustento de vida.

LINKS:
Água limpa e sem sal no nordeste do Brasil
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=68
Aquífero paraguaio sangra pela ferida
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=124
Nova briga pela água
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=168
Instituto de Ecologia Política
http://www.iepe.org/
Fórum Político Mundial, em inglês
http://www.theworldpoliticalforum.org/


Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.


© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.